domingo, 20 de março de 2011

Tomás Antônio Gonzaga, Lira I; BH, 0200302011.

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tôsco trato, d'expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nêle assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro oleite,
E mais as finas lãs de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrêla!

Eu vi o meu semblaante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os Pastôres, que habitam êste monte,
Respeitam o poder do meu cajado:
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste:
Nem canto letra, que não seja minha.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrêla!

Mas tendo tantos dotes da ventura,
Só aprêço lhes dou, gentil Pastôra,
Depois que o teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastôra, o teu agrado
Vale mais q'um rebanho, e mais q'um trono.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrêla!

Os olhos espalham luz divina,
A quem a luz do sol em vão se atreve:
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são côr de neve.
Os teus cabelos são uns fios d'ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! não, não fêz o Céu, gentil Pastôra,
Para glória de Amor igual tesouro.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrêla!

Leve-me a sementeira muito embora
Os rios sôbre os campos levantado:
Acabe, acabe a peste matadora,
Sem deixar uma rês, o médio gado.
Já dêstes bens, Marília, não preciso:
Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta:
Para viver feliz, Marília, basta
Que os olhos movas, e me dês um riso.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrêla!

Irás a divertir-se na floresta,
Sustentada, Marília, no meu braço;
Ali descansarei a quente sesta,
Dormindo um leve sono em teu regaço.
Enquanto a luta jogam os Pastôres,
E emparelhados correm nas campinas,
Toucarei teus cabelos de boninas,
Nos troncos gravarei os teus louvores.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrêla!

Depois que nos ferir a mão da Morte,
Ou seja neste monte, ou noutra serra,
Nossos corpos terão, terão a sorte
De consumir os dois a mesma terra.
Na campa, rodeada de ciprestes,
Lerão estas palavras os Pastôres:
"Quem quiser ser feliz nos seus amôres,
"Siga os exemplos, que nos deram êstes."
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrêla!

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