segunda-feira, 18 de abril de 2011

Antônio Nobre, Viagens na Minha Terra; BH, 0180402011.

Às vezes, passo horas inteiras
Olhos fitos nestas braseiras, 
Sonhando o tempo que lá vai;
E jornadeio em fantasia
Essas jornadas que eu fazia
Ao velho Douro, mais meu Pai.


Que pitoresca era a jornada!
Logo, ao subir da madrugada,
Prontos os dois para partir:
Adeus! adeus! é curta a ausência
Adeus! - rodava a diligência
Com campainhas a tinir!


E, dia e noute, aurora a aurora,
Por essa doida terra fora,
Cheia de Côr, de Luz, de Som,
Habituado à minha alcova
Em tudo eu via coisa nova,
Que bom era, meu Deus! que bom!


Moinhos ao vento! Eiras! Solares!
Antepassados! Rios! Luares!
Tudo isso eu guardo, aqui ficou:
Ó paisagem etérea e doce,
Depois do Ventre que me trouxe
A ti devo eu tudo que sou!


No arame oscilante do Fio,
Amavam (era o mês do cio)
Lavandiscas e tentilhões...
Águas do rio vão passando
Muito mansinhas, mas, chegando
No Mar, transformaram-se em leões!


Ao Sol, fulgura o Oiro dos milhos!
Os lavadores mais os filhos
A terra estrumam, e depois
Os bois atrelam ao arado
E ouve-se além no descampado
Num ímpeto, aos beros: - Eh! bois!

E, enquanto a velha mala-posta,
A custo vai subindo a encosta
Em mira ao lar dos meus Avós,
Os aldeões, de longe, alerta,
Olham pasmados, bôca aberta...
A gente segue e deixa-os sós...


Que pena faz ver os que ficam!
Pobres, humildes, não implicam,
Tiram com respeito o chapéu:
Outros, passando ao nosso lado,
Diziam: - "Deus seja louvado!"
"Louvado seja!" dizia eu.


E, meiga, tombava a tardinha...
No chão, jogando a vermelhinha,
Outros vejo a discutir.
Carpiam, místicas, as fontes...
Água fria de Trás-os-Montes
Que faz sêde só de se ouvir!


E, na subida de novelas,
O rubro e gordo Cabanelas
Dava-me as guias para a mão:
Isso... queriam os cavalos!
Que eu não podia chicoteá-los...
Era uma dor do coração.

Depois, cansados da viagem,
Repoisávamos na estalagem
(Que era em Casais, mesmo ao dobrar...)
Vinha a Sra. Ana das Dores
"Que hão de querer os meus Senhores?
Há pão e carne para assar..."


Oh! ingênuas mesas, honradas!
Toalhas brancas, marmeladas,
Vinho virgem no copo a rir...
O cuco da sala cantando...
(Mas o Cabanelas, entrando,
Vendo a hora: "preciso partir".)


Caía a noite. Eu ia fora,
Vendo uma estrêla que lá mora,
No Firmamento português:
E ela traçava-me o meu fado
"Seras Poeta e desgraçado!"
Assim se disse, assim se fez.


Meu pobre Infante, em que cismavas,
Por que é que os olhos profundavas
No Céu sem par do teu País?
Ias, talvez, môço troveiro,
A cismar num amor primeiro:
Por primeiro, logo infeliz...

E o carro ia aos solavancos.
Os passageiros, todos brancos,
Ressonavam nos seus gabões:
E eu ia alerta, olhando a estrada,
Que em certo sítio, na Trovoada,
Costumavam sair ladrões.

Ladrões! Ó sonho! Ó maravilha!
Fazer parte duma quadrilha,
Rondar, à Lua, entre pinhais!
Ser Capitão! trazer pistola,
Mas não roubando, - dando esmolas
Dependuradas dos punhais...


E a mala-posta ia indo, ia indo, 
O luar, cada vez mais lindo, 
Caía em lágrimas, - e, enfim,
Tão pontual, às onze e meia,
Entrava, soberba, na aldeia
Cheia de guizos, tlim, tlim, tlim!

Lá vejo ainda a nossa Casa
Tôda de lume, côr de brasa,
Altiva, entre árvores, tão só!
Lá se abrem os portões gradeados,
Lá vêm com velas os criados,
Lá vem, sorrindo, a minha Avó.

E então, Jesus! quantos abraços!
 - Qu'é dos teus olhos, dos teus braços.
Valha-me Deus! como êle vem!
E admirada, com as mãos juntas,
Tôda me enchia de perguntas,
Como se eu viesse de Belém!

 - E os teus estudos, tens-me andado?
Tomara eu ver-te formado!
Livre de Coimbra, minha flor!
Mas vens tão magro, tão sumido...
Trazes tu no peito escondido,
E que eu não saiba, algum amor?


No entanto entrava no meu quarto:
Tudo tão bom, tudo tão farto!
Que leito aquêle! e a água, Jesus!
E os lençóis! rico cheiro a linho!
 - Vá, dorme, que vens cansadinho,
Não adormeças com luz!


E eu deitava-me, mudo e triste.
 - Reza também o Têrço, ouviste?
Versos, bailando dentro de mim...
Não tinha tempo de ir na sala,
De nôvo: - Apaga a luz! - Que rala!
Descansa, minha Avó, que sim!

Ora, às ocultas, eu trazia
No seio, um livro e lia, lia,
Garrett da minha paixão...
Daí a pouco a mesma reza:
 - Não vás dormir de luz acesa,
Apaga a luz!... (E eu ainda... não!)


E continuava, lendo, lendo...
O dia vinha já rompendo,
De nôvo: - Já dormes, diz?
 - Bff!... e dormia com a idéia
Naquela tia Dorotéia,
De que fala Júlio Dinis.


Ó Portugal de minha infância,
Não sei que é, amo-te a distância,
Amo-te mais, quando estou só...
Qual de vós não teve na Vida
Uma jornada parecida,
Ou assim, como eu, uma Avó?

                                                                         (Paris, 1892.)

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