quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Muito tempo fiquei calado; RJ, 080201988; Publicado: BH, 0120102012.

Muito tempo fiquei calado,
Não adquiri a coragem;
Minha covardia,
Impedia-me
De fazer alguma coisa;
Meu medo me consumia,
Matava-me por dentro,
Castrava-me por completo,
Baixava meu tesão,
Enchia-me de preguiça;
Muito tempo fiquei perdido,
Minh'alma de galinha definhava,
Meu coração de franga,
Não tinha energia,
Disparava por qualquer motivo
E tremia todo;
Mesmo num calor
De mais de quarenta graus;
Aparentava o que não era,
Falava o que não fazia,
Fingia e mentia,
E ninguém sabia,
E ninguém conhecia,
A minha razão,
De nunca ter sido de nada;
E nunca fiz por merecer,
O ar que respiro,
A água que bebo
E a comida que como;
Até parece que mudei,
Até parece que encontrei,
A saída da rua sem saída;
Até parece que melhorei,
Porém, só sei,
Que continuo o mesmo;
Bata o pé,
Que sairei a correr;
Faça cara feia,
Que tremerei de medo;
Grite comigo,
Que me calarei;
Diga não,
Que acatarei;
Não sei lutar por nada,
Só sei aceitar tudo,
De boca fechada;
Vejo os destemidos,
Vejo os que lutam,
E os que buscam
Encontrar o caminho e
Prosperarem sempre e
Darem-se bem na vida;
Vejo que fiquei,
Não fui além
Do meu nariz;
Fiquei aquém
Da minha nuca;
Estou sempre
Atrás de mim;
Não nasci para as coisas,
Não nasci para mim,
Vou morrer sem ter nascido,
A viver sempre no útero,
Sempre no passado,
Sem encontrar a luz,
Sem me formar por inteiro,
O feto dum monstro,
Sem olhos e sem boca,
Sem nariz e sem ouvidos,
Até sem cabeça também;
Muito tempo esperei,
Fiquei na espera,
Encostei-me no poste,
Cocei o saco,
Tirei meleca do nariz,
Catuquei o ouvido,
Com o palito de fósforo,
Cuspi para o lado,
Pigarreei e praguejei;
Minha vida é isso,
Se é que se pode,
Chamar isso de vida;
Muito tempo fiquei calado,
Muito tempo depois falei,
Quem ouviu a minha voz?
E era mudo;
Ninguém ouviu,
Zombaram de mim,
Que importância tens?
Que importância tenho?
Faças bem de mim,
Virei esterco para teu jardim,
Um adubo para tua horta;
Porém, não colhas as flores,
Não comas o que a horta produzir,
Fatalmente morrerás envenenada.

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