sábado, 10 de março de 2012

Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, Três Sonetos; BH, 0100302012.

I

(A Raul de Campos)

Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

II

A Praça da Figueira de manhã,
Quando o dia é sol (como acontece
Sempre em Lisboa), nunca em mim esquece,
Embora seja uma memória vã.

Há tanta coisa mais interessante
Que aquele lugar lógico e plebeu,
Mas amo aquilo, mesmo aqui... Sei eu
Porque o amo? Não importa nada. Adiante...

Isto de sensação só vale a pena
Se a gente se não põe a olhar para elas.
Nenhuma delas em mim é serena...

De resto, nada em mim é certo e está
De acordo comigo próprio. As horas belas
São as dos outros, ou as que não há.

III

(A Daisy Mason)

Olha, Daisy, quando eu morrer tu hás-de
Dizer que meus amigos aí de Londres,
Que, embora não o sintas, tu escondes
A grande dor de minha morte. Irás de

Londres para York, onde nascestes (dizes -
Que eu nada que tu digas acredito...)
Contar àquele pobre rapazito
Que me deu tantas horas tão felizes

(Embora não o saibas) que morri.
Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
Nada se importará. Depois vai dar

A notícia a essa estranha Cecily
Que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!...

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