quinta-feira, 7 de junho de 2012

Paulo Mendes Campos, A Morte; BH, 070602012.

Ontem sonhei com a morte 
Por duas horas desertas: 
As pálpebras não se fecharam, 
Antes ficaram abertas. 


Os olhos esbugalhados 
Cravados num ponto incerto, 
Por fora desesperados, 
Por dentro o mal do deserto. 


Todo de preto vestido 
Me aparteava a nudez 
De estar ali sem sentido 
De um mundo que se desfez. 


Se alguém quisesse podia 
Cuspir-me em cima do rosto 
O nojo que lhe subia 
De ver-me assim tão composto. 


Talvez um ríctus na boca 
O meu segredo explicasse, 
Foi-me sempre a vida pouca 
E era a morte o meu disfarce. 


Vi-me no esquife hediondo, 
As mãos cruzadas de vez, 
Vi-me só me decompondo, 
Doído de lucidez. 


Senti o cheiro das flores, 
As velas que crepitavam, 
O enjôo forte das cores 
Que minha morte enfeitavam. 


Vi um remorso ingente 
Chegar ao pé do caixão, 
Um animal repelente 
Feito de amor e paixão. 


Um padre de voz plangente 
Depois de orar disse amém, 
Em torno os olhos da gente 
Me sepultavam também. 


Sei que tudo era aflição 
No meu destino acabado: 
O terror da solidão 
Ia comigo deitado.

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