quarta-feira, 6 de junho de 2012

Paulo Mendes Campos, Sentimento do tempo; BH, 060602012.

Os sapatos envelheceram depois de usados 
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados 
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés. 
As coisas estavam mortas, muito mortas, 
Mas a vida tem outras portas, muitas portas. 
Na terra, três ossos repousavam 
Mas há imagens que não podia explicar; me ultrapassavam. 
As lágrimas correndo podiam incomodar 
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar 
Como um afogado entre as correntes do mar. 
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz 
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós. 
Fizeram muitas vezes minha fotografia 
Mas meus pais não souberam impedir 
Que o sorriso se mudasse em zombaria 
E um coração ardente em coisa fria. 
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro 
Onde só existe a cal de um muro. 
Costumo ver nos guindastes do porto 
O esqueleto funesto de outro mundo morto 
Mas não sei ver coisas mais simples como a água. 
Fugi e encontrei a cruz do assassinado 
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado, 
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso. 
Meus pássaros caíam sem sentidos. 
No olhar do gato passavam muitas horas 
Mas não entendia o tempo àquele como agora. 
Não sabia que o tempo cava na face 
Um caminho escuro, onde a formiga passe 
Lutando com a folha. 
O tempo é meu disfarce.

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