terça-feira, 14 de agosto de 2012

Llewellyn Medina, A morte da casa da rua Barão de Jaguaripe; BH, 0140802012.

Tudo começou muitos anos antes
Quando construíram um prédio nos fundos
Vedando o descortínio do horizonte
E o cheiro de mar que batia perto.

Passados uns poucos anos mais
Alguém construiu um prédio á direita
E assim escondeu pra sempre
A vista dos hoje Pavão e Pavãozinho.

Pessoas moravam na casa
O que chamam de família
Pai, mãe, filhos,
Um cão vigilante
E um gato que excursionava pelos telhados.

Os pais viraram avós
E os filhos tiveram filhos
O cão sobreviveu no álbum de fotografias
E o gato ninguém se recorda de seu fim.

Mas a casa da rua Barão de Jaguaripe
Era amarela nas fachadas
Um jardim de inverno
Uma garagem que nunca abrigou carros
Uma varanda que nunca ouviu os silenciosos balanços
De uma cadeira austríaca
E como fossem dois pavimentos
O de cima parecia guardar
Inexpugnável privacidade.

Mas eis que outro prédio foi construído ao lado
E a casa emparedada
Quase não respirava
Foi condenada a viver sem horizonte
Sobrou apenas a frente para a rua
Que automóveis teimavam em obstruir.

Ainda assim a casa resistiu galhardamente
À investida de exércitos de empedernidos corretores
Todos oferecendo tantos mil dólares
Ou a segurança de uma cobertura no último andar
Tudo por uma casa que diziam condenada à morte.

Os pais e os filhos
Depois os avós e netos
E novamente filhos e pais
Não se deixaram embalar
Pelas mirabolantes propostas
Até que não havia mais
Filhos e netos
Mas apena avô e avó
E a fotografia amarelada do cão
Que teimava a tudo espreitar
Até mesmo os silenciosos passos do gato
Já não deslizavam nos velhos telhados esverdeados.

Um dia a casa cansou de resistir
O amarelo de suas paredes
Já se tornara uma indefinida cor
As plantas do jardim estiolaram-se
As janelas já não guardavam privacidade
E o avô e a avó
Sentiam saudades do cheiro do mar
Dos braços abertos do Corcovado
Da cor indescritível
Das águas enigmáticas da Lagoa.

A morte se aproximava melancolicamente
As escadas rangiam
Ao passo vagaroso do resistente mobiliário
E os filhos distantes
Diziam estar preocupados
Com a segurança dos "velhos"
Com a aspereza da casa
Com a horrível cor amarela das paredes descarnadas.

O desfecho foi previsível
Homens inclementes homens
Armaram-se de picaretas e martelos
E bateram com tal ferocidade
Que as paredes pareciam chorar
As lágrimas delas não caíam
Caíam tijolos vetustos
Pregos rangiam de dor
Quando retirados com indiferença
E o entulho que se acumulava
Escondia sob si os dias memoráveis
Da casa amarela
Da rua Barão de Jaguaripe.

Houve o momento em que
Janelas e portas foram retiradas
E vista assim a casa parecia
Um espectro fantasmagórico
Tentando esconder asquerosas entranhas.

E o som dos martelos
E o som das picaretas
Ouviram-se dias sem fim
Abafando o silencioso lamento
Da casa que ruía sem qualquer defesa
Até que não restou
Senão pedra sobre pedra.

Esta é a história da casa da rua Barão de Jaguaripe
Que o prédio construído sobre suas cinzas
Esconda pra sempre essas antigas lembranças.

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