quarta-feira, 20 de março de 2013

Pier Paolo Pasolini, O pranto da escavadeira VI; BH, 0200302013.


Na chama abandonada

Do sol matinal – que agora se reacende,

Rasando os estaleiros, sobre as fechaduras
Que amorna – vibrações
Desesperadas rasgam o silêncio
Que perdidamente cheira a leite azedo,
A praças vazias, inocência.
Pelo menos desde às sete da manhã, essa vibração
Aumenta com o sol. 
Pobre presença
De uma dúzia de operários já velhos
Lenços e camisolas interiores queimados
De suor, cujas vozes raras,
Cujas lutas contra os blocos
Dispersos de lama, as vagas de terra,
Parecem morrer naquele tremor.
Mas por entre os estrondos teimosos
Das garras que cegas trituram, cegas
Esboroam, cegas agarram,
Como se não tivessem um fim,
Um uivo inesperado, humano,
Nasce, e a intervalos se repete,
Tão louco de dor, que, de repente,
Já não parece humano, e volta a ser
Estridor mortal. Depois, baixinho,
Ressoa, à luz violenta,
Entre os prédios ofuscados, novo, igual,
Uivo que só quem está a morrer
Pode soltar, no derradeiro instante,
Sob este sol que cruel ainda brilha
Mas já adoçado pelo ar do mar…
Quem assim grita, atormentada
Por meses e anos de suores
Matutinos – acompanhada
Pelo mudo tropel das suas garras -
E a velha escavadora: mas é também o fresco
Terriço remexido, ou, no breve espaço 
De um horizonte deste século,
O bairro todo… 
É a cidade,
Mergulhada num clarão de festa,
- E o mundo. 
Chora o que chega ao fim
E recomeça. 
O que era 
Campo verde, espaço aberto, e é agora
Pátio branco como cera,
Emparedado num decoro feito de rancor;
O que parecia uma velha feira
De rebocos frescos, sinuosos, ao sol,
E é agora bairro novo, fervilhante,
Numa ordem que é apenas dor calada.
Chora o que muda, mesmo
Que seja para ser melhor. 
A luz
Do futuro não deixa um só instante
De nos ferir: está aqui, a arder
Nos atos que cumprimos dia a dia,
Angústia mesmo na fé
Que nos dá vida, no impulso gobettiano
Para estes operários, que mudos exibem,
No bairro da outra frente humana,
O seu trapo vermelho de esperança.

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