domingo, 24 de março de 2013

Pier Paolo Pasolini, A um Papa; BH, 0230302013.

Poucos dias antes de morreres, a morte
Pousou os olhos em alguém da tua idade: 
Ais vinte anos, tu estudavas, ele era pedreiro,
Tu, nobre, rico, ele, um rapazote plebeu:
Mas os mesmos dias douraram sobre vós
A velha Roma, voltando a dar-lhe a sua juventude.
Vi os seus despojos, pobre Zucchetto.
Andava de noite, bêbado, à volta dos Mercados,
E um elétrico que vinha de San Paolo atropelou-o
E arrastou-o por uns metros de carris no meio dos plátanos:
Durante uma horas ficou ali, sob o rodado:
Poucas pessoas se juntaram em redor, olhando-o,
Em silêncio: já era tarde, havia pouca gente.
Um dos homens que existem para que tu existas,
Um velho policial, desbocado como todos os patifes,
Gritava aos que se aproximavam mais:
 “Larguem-lhe os colhões!”
Depois veio uma ambulância buscá-lo:
As pessoas desapareceram, só ficaram uns grupos aqui e acolá,
E, mais à frente, a dona de um cabaré,
Que o conhecia, disse a um recém-chegado
Que Zucchetto tinha ficado debaixo de um elétrico, que estava morto.
Poucos dias depois, morrias tu: 
Zucchetto era um
Dos do teu grande rebanho romano e humano,
Um pobre bêbado, sem família nem leito,
Que andava de noite, vivendo ao deus-dará.
Tu ignoravas: como ignoravas
Outros milhares e milhares de cristos como ele.
Talvez seja cruel ao perguntar por que razão
A gente como Zucchetto é indignada do teu amor.
Há lugares infames, na lama de outras eras.
Não muito longe de onde tu viveste,
À vista da bela cúpula de San Pietro,
Fica um desses lugares, o Gelsomino…
Um monte cortado ao meio por uma pedreira, e no sopé,
Entre um charco e uma fieira de prédios novos,
Um montão de tugúrios miseráveis, não casas mas pocilgas.
Bastava um gesto teu, uma palavra,
Para esses filhos terem uma casa:
Nunca fizeste um gesto, nunca disseste uma palavra.
Ninguém te pedia que perdoasses Marx! 
Uma vaga
Imensa que irrompe sobre milênios de vida
Te separava dele, da sua religião:
Mas não se fala, na tua religião, de piedade?
Milhares de homens sob o teu pontificado,
Diante dos teus olhos, viveram em estábulos e pocilgas.
Tu sabias que pecar não é fazer o mal:
Não fazer o bem, isso sim, é que é pecar.
Quanto bem podias tu ter feito! 
E não fizeste:
Não houve quem mais pecasse do que tu.

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