quinta-feira, 2 de maio de 2013

Luis Nassif, Carlos Drummond de Andrade, Grande Mundo.


Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
Por isso me grito,
Por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
Preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
As diferentes dores dos homens,
Sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
Num só peito de homem… sem que ele estale.
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
Tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
Tão calma! Vai inundando tudo…
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
Como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
Desaprendi a linguagem
Com que homens se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,
As sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
Outrora viajei
Países imaginários, fáceis de habitar,
Ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
Trouxeram a notícia
De que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
Entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
Entre a vida e o fogo,
Meu coração cresce dez metros e explode.
– Ó vida futura! Nós te criaremos.

Vladimir Maiakovski, À esquerda;
Publicado: BH, 020502013.


Em frente, marche! Basta de falar!
O tempo dos oradores já passou.
Hoje tem a palavra
O Camarada Mauser!
Não há outra lei senão a da natureza.
Somente Adão e Eva estão com a verdade.
Abaixo as leis, abaixo as cadeias!
Fustiguemos a carroça da história
À esquerda, à esquerda, à esquerda!
Em frente, à conquista
Dos Oceanos!
Tendes canhões em vossos navios de aço.
Já esquecestes como os fazer falar?
Que a coroa abra uma goela
Quadrangular,
Que o leão britânico ruja
Que importa?
A comuna está em marcha
E manterá a vitória!
À esquerda, à esquerda, à esquerda!
Aqui é a sombra e a morte, mas lá longe
Do outro lado das montanhas
O sol se levantou sobre um mundo novo.
Lá, além das planícies,
O solo estremece sob os passos inumeráveis
De homens impávidos e livres.
Camaradas, nós somos um rochedo de granito.
Os bandidos da Entente se arremessam contra ele.
Mas nada abaterá a Rússia Soviética.
À esquerda, à esquerda, à esquerda!
Eles não puderam furar os olhos atilados da águia 
Que olha e compreende as lições do passado.
Avante, pois, meu povo, e já que o pegaste
Estrangula teu carrasco!
A trombeta dos bravos já soou o alarme.
Nossos estandartes aos milhares avermelham o céu.
Só a rota dos traidores é que conduz à direita.
À esquerda, à esquerda, à esquerda!

Vladimir Maiakovski, Conversa sobre poesia com o fiscal de vendas;
Publicado: BH, 040502013.


Cidadão fiscal de rendas, desculpe a liberdade!
Obrigado... não se incomode...  estou à vontade! 
A matéria que me traz é algo extraordinária: 
O lugar do poeta na sociedade proletária.. 
Ao lado dos donos de terras e senhores industriais 
Estou eu também citado por débitos fiscais.
Nós somos proletários e motores da pena. 
A poesia é como a lavra do rádio 
- Um ano para cada grama.
Para extrair uma palavra, 
Milhões de toneladas de palavra-prima.
Porém, que flama de uma tal palavra emana 
Perto das brasas da palavra-bruta!
Tal palavra põe em luta milhões de corações 
Por milhares de anos.
Você conhece por certo o fenômeno rima.
Em linguagem de fisco
A rima é uma letra a termo fixo
Para desconto ao fim da linha
Sem mais prazos.
E sai-se à caça da minúcia de flexão ou sufixo
Na caixa escassa das conjugações e casos.
Tenta-se pôr uma palavra nessa linha,
Ela não cabe, força-se, e se esfarinha.
Cidadão fiscal de rendas, eu lhe juro,
As palavras custam ao poeta um duro juro.
Para nós, a rima é um barril.
De dinamite. 
O verso, um estopim.
A linha se incendeia e quando chega ao fim
 explode
E a cidade em estrofe voa em mil.
No questionário há um monte de quesitos: 
“O Sr. fez viagens?  Sim ou não?
Mas, como, se eu fiz vôos infinitos 
Em dezenas de pégasos nesses 15 anos ?
Cidadão, condescenda, as passagens são caras!
A poesia - toda ela - é uma viagem ao desconhecido..
A máquina da alma com os anos se trava,
E dizem: - ao arquivo, acabou-se, um de menos! 
O tempo em sua corrida minhas têmporas esmaga. 
E vem então a mais terrível das amortizações 
- A de almas e corações, última paga.
A minha dívida é uivar com o verso, 
Entre a névoa burguesa, boca brônzea de sirene. 
O poeta é o eterno devedor do universo, 
E paga em dor porcentagens de pena.
Estou em dívida com os lampiões da Broadway, 
Com o Exército Vermelho, 
Com vocês, céus de Bagdádi, 
Com as cerejeiras do Japão e toda a infinidade 
A que não pude dar a sobra de uma ode.
Mas, para que afinal essas molduras?
Para que fazer da rima, mira
E do ritmo, chibata?
A palavra do poeta é a tua ressurreição, 
A tua imortalidade, cidadão burocrata  .
Daqui a séculos, do papel mudo toma um verso
E o tempo ressuscita.
Cidadão fiscal de rendas, eu encerro. 
Pago 5 rublos e risco todos os zeros. 
Tudo o que quero é um palmo de terra ao lado 
Dos mais pobres camponeses e operários.
Porém, se vocês pensam que se trata apenas 
De copiar palavras a esmo,
Eis aqui, camaradas, minha pena:  
Podem escrever vocês mesmos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário