terça-feira, 3 de setembro de 2013

Existe vantagem maior do que a de ser cego? BH, 040202000; Publicado: BH, 030903013.

Existe vantagem maior do que a de ser cego?
Existe felicidade maior do que a do cego?
Quem me dera tivesse nascido cego, ou me transformasse
Daqui para a diante num cego, totalmente cego;
Não precisaria mais olhar para a cara dos hipócritas,
E nem mais veria as imprudências do nosso cotidiano;
Nada melhor do que ser cego, não ver nem televisão,
Não vai ao cinema, e nem vai ao teatro, não precisa
De internet, nem de museus, e nem de paisagens;
Não existe ninguém mais feliz do que o cego,
Não precisa acender a luz, e nem tem medo do
Escuro, não precisa de espelho, e nem de vaidade;
Não sente a inveja, e nem o orgulho,
Não sente vergonha, e nem pudor, ignora, e despreza
A burguesia, e a elite, e não precisa  olhar para a cara
Dos políticos que afundam este país; não precisa ver o semblante
Dos ministros que vivem da mordomia, e dos senadores,
E dos deputados de salários exorbitantes, e atitudes inúteis,
Que só legislam em causa própria, e esquecem de
Quem os elegeu, e os legou os mandatos, e a boa vida;
E o cego segue adiante com a sua bengala, ou
Com o seu guia, qualquer que seja, sóbrio, e elegante,
Indiferente, e distante, despreocupado, e sereno,
Não destila veneno, não se impressiona, e nem
Sente as depressões alheias, as paranoias, e as neuroses;
O coração não se desespera, não perde a atitude,
Não perde as estribeiras, e por onde passa, causa
Um respeito que nós não temos, e nem merecemos;
Não olha para os homens fossilizados, e nem
Para as mulheres siliconadas, lipoaspiradas,
Plastificadas, e esteticamente iludidas, e a nos iludir;
Ainda bem que no mundo existem os cegos para
Serem diferentes de todos os que são iguais aqui;
Ainda bem que temos os cegos para nos servir de
Exemplos, para serem nossos paradigmas, e nossos
Paradoxos, e esperança na nossa luta por uma
Vida melhor, e cheia de confiança no futuro;
Se nós realmente quisermos melhorar o mundo,
Mudar a vida, e modificar o comportamento
Temos que nos espelhar nos cegos, temos que
Seguir os passos deles, e agir nas mesmas ações,
Pois nada mais correto, nada mais verdadeiro,
Nada mais real do que a realidade que o cego
Passa para aqueles que passam, que têm visões;
E o cego enxerga pelo corpo todo, pode não enxergar
Pelos dois olhos, mas enxerga por todos os póros;
Na outra encarnação quero vir cego de
Nascença, para ficar imunizado desta humanidade
Perversa, odienta, cruel, incrécula, e sem amor;
Humanidade sem fé, e sem luz, que vive, e
Morre nas trevas que ela própria criou em volta
De si, e de todos os componentes da espécie;
Quero ser um cego também, vou furar meus olhos,
Vou arrancá-los das órbitas, e jogá-los no lixo;
Não quero mais enxergar a podridão que me cerca,
Não quero mais ver nada ao meu redor;
Chega de tanta falsidade, e mentira, basta de tanta
Covardia, e injustiça, basta de discursos repetitivos,
Modismos vazios, irrealidade,  e irracionalidade;
Basta de tantas mortes inúteis, tantas violências, e
Desgraças, misérias, e mortalidades infantis;
Não quero mais ver trabalho escravo, e nem quero
Mais saber de trabalhador a ganhar salário mínimo;
Se não tiver coragem de arrancar meus olhos,
Alaguém pode me cegar por favor, preciso
Ficar cego, preciso deixar de enxergar,
Não suporto mais olhar para as mesmas coisas
Todos os dias, e não sentir a evolução, não
Sentir a salvação, não sentir o perdão, e o
Arrependimento, o remorso, e o pudor;
Não suporto mais abrir os meus olhos, e deparar
Aianda com crianças a dormir nas calçadas
Debaixo das marquises; e olhar, passar, e
Seguir indiferente como se fosse um cego;
E é por isso que preciso me transformar
Num cego imediatamente; não aguento
Abrir os olhos, quero fechá-los duma vez
Por todas, quero fechã-los, e não abri-los mais;
Só Deus sabe o quanto sinto, e o quanto
Sofro com todas essas mazelas, e desgostos
Que acontecem em todas as partes do munodo;
Só Deus sabe o quanto me entristece, e o
Quanto me aborrece tudo o que acontece
De ruim, principalmente quando as vítimas
São as crianças, as meninas, e os meninos
De todos os cantões do mundo; e peço
Sempre para que Deus olhe para eles, e não
Vejo melhorar, a não ser piorar a situação, e a
Condição desses pequenos seres de nossas semelhanças;
E, justamente por não sentir justiça, não
Sentir melhorias, alegrias, e contentamentos, é
Que resolvi a me transformar num cego;
Cansei de olhar, e chorar, e lamentar, e reclamar;
Cansei com a falta de educação, a falta de
Perspectivas, a falta de saída, de respostas, e de soluções;
Cansei com a ignorância, a falta de cultura,
A falta de qualidade de vida, e cansei da mediocridade,
E da corrida atrás do lucro certo, e fácil, o
Neoliberalismo, a globalização, a importação
Predatória, e a privatização criminosa;
Cansei, e agora um cego a pretendo descansar,
Pretendo não mais me envolver com
O destino da nação, e do povo, e não quero
Mais saber de nada a não ser de ser um cego;
Almejar a felicidade espiritual que cada um
Cego carrega dentro de si, da alma, e
Do pensamento, da memória, e da mente;
Pois a felicidade do cego é completa,
E ela não está em um lugar só,
A felicidade do cego está em toda parte.(1)

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