sábado, 5 de abril de 2014

Llewellyn Medina, Balada do dia de minha juventude em que descobri a solidão






Balada do dia de minha juventude em que descobri
a solidão



I
No princípio era manhã. No pátio do grupo escolar. Perfilados como as garrafas de vinho de jurubeba, que meu pai expunha nas prateleira de sua venda. Meu uniforme estava gasto. Como ele tinha eu gastado aquele ano de meus dias. Ah! O sol da manhã já nos olhava
por sobre o muro. Mas não prestava atenção. Não era acontecimento novo.

II
O colega que estava ao meu lado. João. João tinha morrido no meio do ano. Não me lembrava dele. Não tinha sido feriado. Nos feriados  o sol não nos olhava de sobre o muro. Não me lembrava de João nos feriados. Lembro-me do dia em que Getúlio Vargas morreu.  Foi feriado.

III
Dona Nininha puxou o hino nacional. João não cantou o hino nacional. João não estava presente naquele dia.  O sol prestou atenção. Ou não. Talvez fosse irrelevante para o sol, que deve ter outras paragens para aquecer. Ou o canto desafinasse. Ah! mas o sol  penetrava brilhante nos cabelos nos cabelos negros de Madalena. Nos cabelos longos de Madalena.

IV
Havia perfume no ar. Denunciou-o meu olfato e ainda hoje o perfume dorme lá no fundo de minha alminha. Vou descrevê-lo: “Huuumm...”. Lembro do perfume. Não me
lembro de João. Mas João é lembrança do acontecimento de João.

V
O que ouviram as margens plácidas do Ipiranga. Madalena tem o cabelo negro. Por favor, não repita José de Alencar. Onde ficaram as margens plácidas do ipiranga dos dias de minha juventude? Será se ficavam além do Pau Velho, a rua de minha infância, aquela rua sem paralelepípedos e que  apontava  para muito além de mim? Hoje sei que fica. Ficaram. Perdeu-se a minha rua nos dias fugidios de meus dias. Adeus, margens plácidas do ipiranga de meus dias distantes de mim.

VI
Era o perfume de Madalena. Os cabelos pretos como uma tigela de jabuticabas brilhantes. Havia um jardim no pátio do grupo escolar na manhã daquele dia de minha fausta infância. Havia flores. O perfume não vinha do jardim do pátio do grupo escolar naquela manhã de minha infância. Conheço o perfume de todas as flores. Repito: conheço o perfume de todas as flores. Mas aquele perfume... Era a primeira vez que o sorvia. Tudo aconteceu hoje de manhã. Nunca mais tal perfume me confundiu os sentidos.

VII
Madalena não estava naquele pátio. Habita desde sempre os sonhos que já não sonho mais. Aconselho-me com Gabrielzinho – meu anjo protetor. Você está enganado. Perfume não dura tanto. Os sonhos duram... É preciso que você sonhe...






VIII
Comentei discretamente com João. Você ouve o mesmo que as margens plácidas do ipiranga? Não queria João haurisse o perfume de Madalena. Era meu e não devia ser compartilhado com o grito retumbante  que as margens plácidas do ipiranga ouviram. Perfume é como sua alma. Só você se inebria  dele. Somente é sua essa alma que te anima.

IX

Madalena estava à minha frente. Imediatamente à minha frente. João não estava. Madalena disse à capela: “esse perfume é seu. Lembre-se dele e não se esqueça de mim”. Disse até o nome: Miss France. E seus cabelos eram negros. E seus cabelos eram negros e longos. E seus cabelos brilhavam  sob o sol que espiava e duplicava o brilho dos cabelos de Madalena. E os  cabelos de Madalena eram negros longos e brilhantes. Madalena, por que usar esse perfume se não for pra mim? Estava eu sozinho naquele pátio que cantava o grito retumbante no dia em que descobri o silêncio de minha solidão. O pátio cantava o alvorecer de minha solidão.

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