segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Dia trinta e um de dezembro de dois mil; BH, 03101202000; Publicado: BH, 0310702013.

Dia trinta e um de dezembro de dois mil
Rua Doutor José Ferrola número quinze
Fundos Planalto Belo Horizonte Minas 
Gerais Brasil fim de ano fim de século
Fim de milênio fim de mês fim de semana
Fim de dia segundo a mídia é hora de festas
De fogos de comemorações de beber de
Comer quem pode quem não pode
Desempregado igual a mim fica a roer as
Unhas a remoer a inveja a assistir pela tv
O espetáculo da sociedade burguesa elitizada
Controladora dominadora de todos nada tenho
Para falar são doze horas estou sem sono estou
Sem sonho com medo de pesadelos medo
Eta palavrinha danada se tem duas coisas
Que mais temo é o meu medo a minha
Covardia já até me conformei já me entreguei
Pois são duas coisas que nunca consegui vencer
De todos os meus complexos dogmas tabus preconceitos
Defeitos imperfeições outros bichos mais os que
Mais me atormentam são o medo a covardia
Nem espero mais tentar superá-los nem penso
Mais como fazer para me ver livre destes dois
Vermes que roem minhas entranhas destroem
Minha medula paralisam minha mandíbula
Dia dez de janeiro de dois mil e um completo
Quarenta e seis anos conformado completo
Quarenta e seis anos sossegado inerte vazio
Oco no vácuo sem reação preso às trevas
Às masmorras que ataram meu coração à tal
Pedreira que forma o abismo à boca do precipício
Liberdade clamo aí? o que aconteceu comigo?
Nada liberdade grito quem me ouviu? quem
Ouvirá-me? a verdade? sobreviverá? a tal da
Mentira está aí a nos devorar a mentira está
Aí a nos lançar ao caos ao lixo à sarjeta ao
Gueto nós aplaudimos nós rimos nós somos
Felizes os outros? nosso coração está cansado
De responder não nos interessa os outros abramos
Nossos olhos para nós mesmos quanto aos nossos
Irmãos deixemos que naufraguem no mar
Encapelado dos próprios destinos chorar não me
Venhais com areia nos olhos chorar deserto não
Chora nem em miragem as caravanas que
Escorrem por minhas faces são cães que ladram
Para as lágrimas de tempestades de areias que
Deixei nas calotas de gelos que envolvem meu peito
Minha filha dorme ali no sofá o sei pois
Vejo o quadro ela não sabe nada dorme
A televisão está ligada o filme é dublado
Para o português pelo sotaque dos protagonistas
Parece que o filme é francês não o estou a
Acompanhar na poltrona à minha frente
Do lado do velho sofá em que dorme a menina
No encosto tem uma camisa vermelha do meu
Filho ele dorme num dos quartos com o do
Meio que é especial na velha estante para a qual
Olho agora alguns pedaços restos de livros revistas
Apostilas poeiras ursinhos mochilas à direita a
Porta do banheiro no chão uma sacola branca
De plástico supermercado num canto à esquerda
Atrás de mim ao lado da geladeira um grande
Amontoado se sapatos chinelos meias a porta
Da cozinha está trancada porém a porta de
Vidro está aberta parou de chover estou a sentir
Um pouco de azia o cachorro do vizinho japonês
Que nunca abre a janela começou a latir
Late alto lá dentro dos ouvidos para de latir
Cachorro pelo amor de Deus para de fazer barulho
Um dia ainda reclamarei com o japonês desse
Cachorro dele povo estranho o japonês no Rio de Jananeiro
Morei ao lado dum na Rua do Bispo na Tijuca o vi poucas
Vezes a casa sempre fechada janelas portas ele sempre
Calado abatido a olhar para o chão não respondia um bom-dia
O daqui só escuto o latir do cachorro nunca o vi
Só sinto o mau cheiro exalado por cima
Do muro presumo que deve ser das sujeiras
Do cachorro não sei se todo japonês é assim
Mas os dois que tive por vizinhos foram bem
Estranhos não posso negar penso que já
Sou diferente escancaro as janelas canto mais
Alto do que o cachorro peido arroto como bebo
Durmo ronco acordo leio escrevo bato punheta
Ouço música alta aprendo a tocar flauta grito
Sinto azia dor no esterno balanço as pernas
Coço o rabo durmo sem escovar os dentes acordo
Não penteio os cabelos sinto dor na coluna, tenho
Esperança me desespero choro olho as taruíras
Nas paredes tiro meleca do nariz sou brasileiro
Nunca senti o efeito de duas bomas atômicas
Num século maremotos terremotos furacões tufões
Nunca pensei em cometer o harakiri nunca adorei Buda
Gosto de bunda como de garfo não uso pauzinhos nasci
Num grande país cheio de rios a carregar nas costas um
Puta dum oceano cheio de matas florestas bichos
O que mais meu Deus nem sei enumerar agora coitados
Dos japoneses sinto até pena penso que têm
Que ser tristes mesmos já sofreram demais
Carregam o peso da tradição do passado da
História do pecado da falta de liberdade da
Falta de terra de país de crianças de velhos
Podem até saber muitas coisas se pensarem até
Superiores a nós mas nós temos uma diferença
Somos brasileiros não é qualquer um que
Pode ser brasileiro não têm até alguns que vêm
Tentam se adaptar mas a espontaneidade a
Improvisação a sinceridade a alegria
O nosso natural de comportamento sem pensar
Em etiquetas só nós temos

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