sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Nietzsche, Do alto dos montes; BH, 030202011.

Oh! Meio-dia da minha vida!
Hora solene!
Oh! jardim de verão!
Felicidade inquieta, de pé na ansiedade e à espera;
Espero meus amigos, pronto noite e dia,
Onde estão, meus amigos?
Venham!
É tempo, é hora!

Não é por vocês que o cinza do gelo
Hoje se enfeitou de rosas?
O riacho os procura; e mais alto,
O vento e as nuvens se comprimem no azul
Para ver de longe sua chegada como voo de pássaro.

Nas alturas a mesa está posta para vocês:
Quero viver mais perto das estrelas,
Tão perto dos sombrios abismos?
Que reino seria mais vasto que o meu?
E de meu mel - quem dele provou?

Aqui estão, amigos! -
Ai! não é para mim
Que querem vir?
Hesitam surpresos - ah! vocês se incomodam?
Não sou mais eu?
Não é mais meu rosto, meu andar?
E o que eu sou,  amigos - não o seria para vocês?

Serei outro?
Estranho a mim mesmo?
Fugido de mim mesmo?
Lutador que muitas vezes teve de se superar?
Que muitas vezes lutou contra a própria força,
Ferido e detido por suas próprias vitórias?

Procurei acaso onde a brisa era mais forte?
Aprendi a viver ali,
Onde ninguém mora, nos desertos áridos do urso polar?
Não esqueci Deus, o homem, a blasfêmea e a oração?
Eu, fantasma errante das geleiras?

 - Meus velhos amigos!
Vejam!
Vocês empalidecem,
Com um calafrio de amor!
Não sem rancor!
Avante, para vocês nada de repouso:
Aqui, nesses reinos das geleiras e dos rochedos!
Aqui é preciso ser caçador e igual ao cervo!

Fui um malvado caçador!
Vejam como meu arco
Tem sua corda totalmente distendida!
Pois foi o mais forte que disparou a flecha.
Mas azar de vocês!
Essa flecha é perigosa
Como nenhuma flecha - ah! fujam para seu bem!

Fogem? -
Ó coração, é o que basta,
Tua esperança ainda se mantém firme:
Deixa abertas tuas portas para novos amigos!
Abandona os amigos!
Larga suas lembranças!
Se foste jovem, aí estás - bem mais jovem!

O que jamais nos une, o laço de uma só esperança,
Quem lê os sinais
Pálidos que outrora o amor escreveu?
É como o pergaminho que a mão
Receia tocar - enegrecido, queimado como ele.

Não são mais amigos, são - que digo? -
Fantasmas de amigos!
Às vezes à noite batem em meu coração, em minha janela
Olham para mim e dizem:
 - "Somos nós"!
Oh! palavras fenecidas, vocês tinham odor de rosas!

Ó saudade de juventude que não se compreendeu!
Aqueles que eu procurava,
Aqueles que achava que eram meus parentes e transformados,
Envelheciam no entanto, era o que os baniu:
Somente aquele que se transforma permanece meu parente.

Ó meio-dia, ó segunda juventude,
Ó jardim de verão!
Felicidade inquieta, em pé na ansiedade e na espera!
Espero os amigos, prontos dia e noite,
Os novos amigos!
Venham, pois é tempo!

A canção terminou - o doce grito do desejo
Morreu em minha boca:
Era um encantador, o amigo do bom momento,
O amigo do meio-dia - não, não me perguntem quem -
Ele era meio-dia, quando um se tornou dois...

Celebramos juntos agora, certos da vitória,
A festa das festas:
Zaratustra veio, o amigo, o hóspede dos hóspedes!
O mundo ri, a cortina negra se rasgou,
A luz na obscuridade se uniu...

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